"O contabilista de Deus" no centro do novo VatiLeaks

Espanhol, 54 anos, secretário da prefeitura para os assuntos económicos da Santa Sé foi detido e é acusado de subtrair e divulgar documentos confidenciais do Vaticano
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Lucio Ángel Vallejo Balda nunca gostou muito que lhe chamassem "O contabilista de Deus", mas é desta forma que o sacerdote espanhol membro da Opus Dei surge habitualmente descrito nos media. Foi notícia em 2013, quando o Papa Francisco o designou como coordenador da comissão para a reforma administrativo-económica, que entretanto já foi extinta. Secretário da prefeitura para os assuntos económicos da Santa Sé desde 2011, nomeado por Bento XVI, Vallejo, de 54 anos, é agora acusado de subtrair e divulgar documentos confidenciais do Vaticano, segundo confirmou o porta-voz do Vaticano Federico Lombardi. Com ele foi também detida a leiga italiana Francesca Chaouqui, entretanto já posta em liberdade.

Este caso encontra paralelismo com o escândalo de 2012, o chamado VatiLeaks, quando foi revelada a correspondência privada do papa Bento XVI pelo seu mordomo Paolo Gabriele. Desta vez os dois suspeitos são acusados de ter violado o computador do revisor geral da economia do Vaticano, Libero Milone, que supervisiona as contas da cúria. O Vaticano encomendou-lhe o controlo das finanças no quadro das reformas impulsionadas pelo Papa Francisco. No seu computador guardava toda a informação usada para supervisionar e controlar as contas, orçamentos e balanços consolidados de todos os organismos, escritórios e instituições da Santa Sé ou que a eles estavam vinculados.

Em comunicado, o Vaticano lembra que Vallejo Balda foi secretário e membro da já dissolvida comissão investigadora dos organismos económicos e administrativos da Santa Sé. Lombardi explicou: "A divulgação de informação e de documentos confidenciais é um delito e constitui uma traição grave à confiança do Papa."

O ecónomo mais novo de Espanha

Vallejo é natural de Villamediana de Iregua (La Rioja) e com 8 anos já estava no Seminário de Logroño. Entrou na Opus Dei, licenciou-se em Teologia Espiritual e doutorou-se em Teologia. Em Astorga foi pároco e ecónomo, o mais novo de Espanha. Foi o cardeal de Madrid, Rouco Valera, quem o recomendou ao Vaticano. A seu favor tinha a juventude e os seus 25 anos de experiência em contabilidade. Em pouco tempo ganhou peso e projeção entre a cúria. Sempre se falou da sua grande hospitalidade e do seu trato agradável.

Foi um economista autodidata, que aprendeu rápido e se converteu num dos especialistas da Igreja na matéria. O seu nome começou a ser falado em Madrid e foi-lhe pedida ajuda para as Jornadas Mundiais da Juventude (2011). O evento foi um sucesso e terminou com superavit. A Vallejo se deve a modernização económica da sua diocese. Adepto das novas tecnologias (usa iPad e iPhone), antes de ir para Roma deixou os padres com acesso à internet e todos os escritórios informatizados.

Em fevereiro do ano passado, Vallejo difundiu nos media que iria ser nomeado número dois da Secretaria da Economia, um dos ministérios criados pelo Papa Francisco para gerir todas as atividades económicas e administrativas da Santa Sé, mas tal acabou por não acontecer. Três meses depois, participou num luxuoso almoço durante a canonização dos papas João XXIII e João Paulo II e foi ele quem repartiu as hóstias num copo de vidro.

Resposta da Opus Dei

A direção da Opus Dei mostrou-se surpreendida com a detenção. "A Opus Dei não dispõe de nenhuma informação sobre o caso. Se a acusação se revelar certa, seria doloroso pelo dano causado à Igreja", explicou em comunicado. A Opus Dei esclarece que Vallejo foi chamado a trabalhar em Roma pela Santa Sé. "A Opus Dei não participou nesta designação."

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A detenção de Vallejo aconteceu dias antes da publicação de dois livros que revelam escândalos sobre os assuntos financeiros da Santa Sé: Avareza, de Emiliano Fittipaldi, do L"Espresso, e Via Crucis, de Gianluigi Nuzzi, da televisão Mediaset. Em Avareza o autor afirma que uma fundação pagou 220 mil dólares para a renovação do apartamento do ex-secretário do Vaticano, o cardeal Tarciso Bertone, descrita como um megapenthouse. Enquanto em Via Crucis se revela "um panorama de burocracia profundamente enraizada na cultura de maus usos, desperdícios e segredos". E uma "má gestão e resistência interna" às reformas, com as quais o Papa Francisco se deparou.

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